Eu também já tive, e você?





Por Janice Mansur (@janice_mansur)*

Em um dos primeiros artigos que escrevi aqui para o jornal Notícias em Português

falei sobre uma professora de inglês, da Rampart High School, chamada Brittni

Darras. Uma de suas alunas estava em depressão e, achando que ninguém se

importava com ela, havia tentado se matar. Tendo descoberto isso, a professora

decidiu escrever uma carta personalizada para ela e mais 130 de seus outros

alunos, demonstrando a eles seu carinho e apreço, fazendo-os crer que eram

especiais. Dessa forma, ela tocou, não só o coração que instigou sua escrita, mas a

todos, e ganhou um prêmio por isso.

Mais do que nunca, hoje, as pessoas estão sofrendo muito e estão fragilizadas pelos

diversos desafios existentes, algo que o distanciamento social, necessário em

virtude da pandemia, só fez aumentar.

Contudo, ao contrário do que muitos pensam,

a depressão não é algo atual. Alguns fatores genéticos podem influenciar a

predisposição a ela, bem como pode haver desequilíbrios metabólicos ou hormonais,

ou propiciados pelo sedentarismo e a má alimentação, e isso tudo precisa ser

avaliado por um médico psiquiatra. Muitas vezes, por não se ter alguma evidência

física ou exames que ajudem a diagnosticá-la, somente as queixas psíquicas,

algumas pessoas pensam que depressão e/ou ansiedade são bobagem ou frescura.

Entretanto, em alguns casos, a depressão pode ter manifestações físicas, sim, e

quando isso ocorre é necessário o uso de medicação para o cérebro ir voltando à

“normalidade”. Em qualquer dos casos, um acompanhamento com psicoterapia é

fundamental. Eu tive de tomar medicação e fazer psicoterapia quando tive

(tanto depressão, quanto ansiedade), e posso garantir: a gente pensa que

nunca vai sair, mas sai.

Se você é uma dessas pessoas que pensa ser a vida algo tão difícil e complicado

para se enfrentar, pense que talvez seja importante ler essa reflexão que trazemos

para este mês de setembro, escolhido como o de campanha de prevenção. Este

tema não é simples, não é fácil, mas não é para ser deixado para lá, nem falado num

único mês. Temos que veicular, propagar e falar sempre sobre, pois o transtorno de

ansiedade (cujo auge pode ser uma síndrome do pânico) ou a depressão (com suas

variantes) têm levado as mais diversas pessoas a lugares nunca imaginados.

Não dá em pedra, só em gente. Por que ter vergonha?

Às vezes, as pessoas calam o que se passa internamente porque têm medo,

vergonha, incertezas na recepção do assunto ou culpa. Todavia, é extremamente

importante poder falar. Por que se evita tanto entrar em contato com o que se sente?

Será que uma das causas do suicídio não seria uma grande necessidade de

pertencimento, de ser visto e reconhecido, de ser amado e desejado pelo outro? Ou

seria mais exatamente a necessidade de falar (ter voz) e de ser compreendido? Ou

poderia ser uma culpa extremada e não elaborada em que a pessoa se

responsabiliza por coisas que nem lhe dizem respeito e quer se autopunir? Ou quer

punir o outro? Pode parecer que falar dessas questões não é interessante pois

poderia estimular as pessoas criando gatilhos para o suicídio, mas é ao contrário,

pois exatamente quando as coisas vêm à luz é que elas perdem o poder, concorda?

Além da ansiedade e depressão poderem coexistir na mesma pessoa, caminharem

de mãos dadas, apesar de terem caraterísticas e sintomas marcadamente distintos,

pode ocorrer também de uma ansiedade levar à depressão e vice-versa. As pessoas

precisam ser ouvidas em suas particularidades, pois o que em mim aparece de uma

forma, em você pode se manifestar de outra. É a singularidade dos sintomas, que

pode nos ajudar a compreender o que está acontecendo com uma pessoa com

depressão, como ela está surgindo em sua vida e como podemos ajudá-la a sair

dela.

Na maioria das vezes, as pessoas que estão do nosso lado, não sabem pelo que

estamos passando mesmo! Não é responsabilidade delas adivinhar como nos

sentimos. Nós precisamos não ter vergonha de nosso sofrimento, já que neste

planeta cada qual tem o seu quinhão, não é mesmo? São dores antigas que

carregamos, e que hoje em dia ficam sendo “canceladas”, “jogadas para escanteio”,

“mi(m)nimizadas”. É necessário olhar para dentro com mais amor e menos para fora,

confiar que podemos reconhecer nossas dores e entrar em contato com elas para

então sair delas. Algumas pessoas fingem que a pedra não está ali no sapato e vão

caminhando pela vida assim. Aquela pedra vai arranhando a pele até que em um

dado momento, faz-se uma bolha tão grande que já é de sangue pisado. E o que

fazer quando o problema está tão grande assim?

AUTISTAS e outras pessoas também podem?

Por ser uma condição bastante frequente, também afeta pessoas com Transtorno do

Espectro Autista (TEA).  Estima-se que aproximadamente 20% dos jovens com

autismo tenham também transtornos depressivos. E quase metade dos adultos

poderão desenvolver um quadro de depressão em algum período da vida. Ela é

mais comum em indivíduos com autismo que possuem um grau mais leve, pois

acredita-se que tenham mais consciência de sua condição, o que causa maior

sofrimento psíquico. Além do fato de o autismo e a depressão compartilharem

também vulnerabilidades genéticas comuns, como já trouxe em outro artigo.

Apesar da ideia errada de que autistas gostam de ficar sozinhos, isso não procede

de fato. Portanto, não deixe seus amigos/amigas se afastarem muito, usem a

internet para um aconchego. Essa sensação de sentir-se solitário e ter dificuldade

para comunicar seus sentimentos pode levar algumas pessoas com autismo (ou

não) a ter pensamentos suicidas. Todos precisamos ser vistos primeiro como

humanos.

Precisamos antes de mais nada perceber que o motivo, na verdade, não importa,

porque a depressão, que pode gerar o suicídio, tem de ser tratada e acompanhada

de perto. Somos seres complexos, e são tantos os fatores e de tal grau de

embricamento que até hoje não se conseguiu compreender a raiz desse e outros

tantos problemas.

Trago aqui um texto de minha autoria para ilustrar algumas situações.

Vidrinhos

Perto do lago, a bela menininha de cachinhos dourados brincava entretida com as

“chumigas” que passavam ao largo carregando folhinhas picadas nas costas.

Sempre foi assim, gostava de distrair-se com bichinhos mínimos e passava horas

acompanhando-os.

Uns guardava em caixinhas de papelão furadas, outros queria por força colocar em

vidrinhos para poder vê-los com mais facilidade. Porém, pequenina, esquecia-se de

que nos vidros, lacrados, sem ar nem luz, morreriam – lembrava-lhe de sua doce e

presente mãe.

Clara cresceu rápido e em seus olhos azuis se refletiam a luz de sua infância pura e

feliz vivida à beira do lago sereno de sua propriedade. Seu pai, fazendeiro rico,

querendo seu melhor, resolveu mandá-la a um internato onde aprenderia de tudo

para a vida. Colégio de abastados e curiosos. Talvez se tornasse uma excelente e

prendada dona de casa ou uma famosa cientista, mais ao seu estilo.

Muito dada, fez amizade com todos e era estimadíssima pelos lentes que lá havia.

Imiscuía-se em todas as disciplinas e não havia matéria que não dominasse.

No jornal da comunidade local, escrevia sobre vários assuntos e veiculava seus

poemas e artigos científicos repletos de reflexões filosóficas. Expressava-se muito

bem e com clareza, atributo que lhe era peculiar.

Nas férias do verão seguinte, quando havia retornado a casa, soubera da verdade

que lhe haviam escondido por seis meses. Sua mãe não resistira à depressão que

se exacerbara, ceifando-lhe a vida. Mesmo aos dezoito incompletos, Clara tece um

comentário entristecida com seu pai, que não consegue atinar seu sentido:

─ É, meu pai, você não sabe, mas minha mãe esteve por muito tempo em vidrinhos.

MANSUR, Janice. Vidrinhos. In: Contos de Bastidores. Niterói : Unicx

Comunicação Integrada, 2020. E-book Kindle.

Portanto, é necessário agir já! CUIDEMOS de nós, cuidemos das pessoas que

nos são queridas. Elas merecem, e nós precisamos.

Então, comente sobre sua experiência e compartilhe com pessoas que precisam

de ouvir ou ler sobre isso.

Beeeiju no coração e na alma.

* Janice Mansur é escritora, professora, revisora de tradução, criadora de conteúdo. Atualmente atende com psicoterapia de viés analítico (online). Canal do Youtube: BETTER & Happier Instagram: @janice_mansur

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