Pimenta nos olhos do outro
Por Janice Mansur (@janice_mansur)*
Muita gente vive como se fosse imune aos problemas que nos afligem e atingem a todos. Por exemplo, ninguém que tenha água com fartura pensa ou procura entender que ela não é um recurso natural perene e pode acabar da “noite para o dia”. Portanto, usa-se água potável por mangueiras até como vassoura para varrer a calçada, em um desperdício absurdo, em vez de se usar uma de verdade e um mínimo de água. O ser humano desperdiça os recursos naturais que temos no Planeta e depois reclama da sorte com Deus.
Conforme artigo do site https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-lixo-da-inglaterra-e-nosso/, “O lixo da Inglaterra é nosso!”, publicado em agosto de 2009, Marcos Sá Corrêa nos diz que chegou ao Brasil em contêineres imundos a última palavra em comércio globalizado: muito lixo que saiu do Reino Unido. What? Da Inglaterra? Quem achar interessante se aprofundar na questão da “máfia do lixo” no mundo, este é um dos que denunciam o que há de mais sórdido com esse tipo de comércio pautado no consumo excessivo, não só pelas pessoas, mas pelas empresas como Tesco, Iceland, entre outras, que embalam seus produtos em materiais muitas vezes não recicláveis e péssimos para o meio ambiente.
Um estudo feito pelo departamento de Meio Ambiente, Alimentos e Assuntos Rurais (DEFRA, sigla em inglês) revelou que a Inglaterra usa 1,1 bilhão de pratos descartáveis e 4,25 bilhões de itens de talheres descartáveis a cada ano, com apenas 10% sendo reciclados, embora haja bastante incentivo para que se participe da “seleção” do lixo. Portanto, para minimizar os danos ao ecossistema planetário, o país está com intenção de reduzir o uso desses materiais agora em 2022, o que me parece um tanto acertado.
Você tem necessidades?
Mas a ideia aqui não é falar de lixo, meio ambiente ou essas coisas e sim falar sobre como o ser humano em pleno século XXl ainda insiste em viver como se as necessidades dos outros não existissem. Acontece mais ou menos assim: digamos que numa determinada casa compartilhada (shared house), termo bastante usual em Londres e lugar comum por aqui para se abrigar, morassem pessoas que decidissem criar uma lista de regras para um bom convívio. Assim, os moradores redigiriam uma ATA com horários a serem cumpridos de serviço de entregas, de encomendas, fast food, algo do gênero, que não fosse feito antes das 7 horas da manhã e depois de meia-noite. E digamos ainda que na reunião algumas pessoas se rebelassem dizendo não serem viáveis tais regras.
Até aqui nossa história prosseguiu normalmente. Agora vamos criar uma situação para se pensar. Eventualmente, algumas pessoas nessa casa começam a descumprir o acordo, e os horários até excedem a meia-noite. A pessoa A é a mais incomodada porque o seu quarto é térreo e fica de frente para a porta principal do flat. Então, eventualmente, reclama com um ou outro sobre esse problema, mas as pessoas não estão nem aí, não é? Cada um preocupado com sua única e exclusiva necessidade. A pessoa A começa a se irritar com a incompreensão dos colegas de casa e, um belo dia, resolve parar de se preocupar com o bem-estar de todos, de quando fazia silêncio mesmo fora dos horários combinados. Uma noite, com a chegada de uma entrega para o morador B, por exemplo, a pessoa A resolveu gritar para chamá-lo no andar de cima. Digamos que fosse 23:45 − dentro do horário, certo? Daí a pessoa C, apareceu no alto da escada e reclamou, “nossa, eu estava dormindo! Quando você grita assim, você me afeta!”. E os outros ficaram parados olhando. Qual você acha que deveria ser a reação do morador A?
Na história acima, a situação não aconteceu de verdade, mas existem episódios parecidos com esse, ou não? Já deu para ficar claro que enquanto um problema não atinge alguém, as pessoas não se preocupam com as outras, não é? Isso é um pouco do que ocorre em termos mundiais. É o que acontece com o lixo, o que acontece quando quem não é nosso filho é obrigado a ir à guerra, como no caso entre Rússia e Ucrânia, ou quando fazemos barulho que incomoda o vizinho, mas não queremos ser incomodados.
Até quando nós iremos olhar para o outro e só ver a resolução de nossas necessidades? Até quando iremos às Igrejas, aos Templos, às Sinagogas, às Mesquitas, aos Terreiros, para aprender a amar o próximo, se não vemos nosso próximo que está tão perto e não nos relacionamos com ele com menos egoísmo e/ ou amor de verdade?
Talvez possamos então começar a pensar neste ditado de modo a entender que se “pimenta no olho alheio é refresco”, como seria senti-la no meu?
* Janice Mansur é escritora, professora, revisora de tradução, criadora de conteúdo e psicoterapeuta (atendendo online). Canal do Youtube: BETTER & Happier Instagram: @janice_mansur.
Leia ainda: