Uma história nunca publicada
Por Janice Mansur (@janice_mansur)*
Hoje, 10 de novembro de 2013, pela manhã, sentada tomando um suco num barzinho de esquina, na Tijuca, pensava em como a vida é engraçada. Pensava que talvez desse um bom romance escrever sobre alguém que se sentava numa mesa de um bar e conhecesse o amor de sua vida, vindo de algum lugar distante, com outros costumes e interesses e, quem sabe, seriam felizes para sempre. As pessoas se cruzam em lugares diferentes, com seus conceitos, crenças, formas de viver, e isso me era inspirador no momento.
Então, apareceu um gatinho miando, e esfreguei os dedos chamando-o: psi, psi, psi… Ele veio até nós, digo nós porque a minha frente se sentava, então, uma menina jovem que eu acreditava trabalhasse em alguma lojinha da área. Jeito simples, roupa comum, cara meio japonesa. Jeanne era simpática, soube seu nome nessa hora. Ela acabara de jogar para o gatinho um pouquinho da carne moída de um pastel que comera, como se estivesse meditando com um refrigerante em lata nas mãos. Rimos. Falei sobre ter um gato. Disse-me que não jogasse o pedaço de pão para ele, percebendo minha intenção, dizendo fazer mal ao bichano. Ele parou embaixo de minha cadeira e ficou ali, sem mesmo provar da carne. Parecia querer escutar o que sairia daquele encontro.

A conversa descambou para responder a minha sempre e infinita curiosidade no ser humano: você trabalha aqui perto? Não, não, estou esperando meu filho que está no hospital aqui da outra esquina. Puxa! E ele está passando bem? Graças a Deus. E ela me contou sua vida em exatos 15 minutos. Colombiana, nascida de família pobre, foi adotada por uma família de noruegueses. Foi para fora do país. Aprendeu línguas – fala 4. Seu nome…, como? – ela repetiu – era uma mistura de português no prenome, com norueguês e colombiano no sobrenome. Sorriso dado, dentes lindos. Boa educação. Bom vocabulário.
Veio ao Brasil com os pais e conheceu o marido. Assim, os outros dois filhos estavam em Cabo Frio, onde residia agora, com ele e a babá, para que ela pudesse acompanhar o filho operado aqui no Rio. A “moleira” do bebê havia fechado antes do tempo, apresentando uma deformação na caixa craniana. Descobri mais tarde ser uma doença de origem congênita, a cranioestenose. Passava bem, apesar de a necessidade da operação, infelizmente tardia, pelo que ela disse.
Naquele momento, como soube que ela tinha 22 anos, achava que ela estaria blefando. Tão nova! Mas para quê? – perguntava meu bom senso. Nem me conhecia! E foi finalizando sua narrativa: trabalho com moda, vendo as roupas fazendo showroom na casa de políticos e grandes em Cabo Frio; meu sogro tem uma mansão na Passagem onde faço alguns desfiles; meu marido tem duas escunas com as quais trabalha hoje; meu pai vive em viagens pela empresa, minha mãe mora aqui no Leblon… e disse seu nome completo. Arrematou que tinha site na internet e trazia as roupas, que comercializava no Brasil, da Europa. O surrealismo começava a acabar, pois o nome completo e todas as referências estavam sendo dadas muito rapidamente para que eu aventasse a possibilidade de ela ser uma fugitiva de um manicômio, ou algo assim.
Minha hora se estreitava para o curso de aromaterapia e tive de me despedir. Desejei-lhe boa sorte, apertamos as mãos. Olhar firme, de quem não foge à realidade. Saí pensando: é…, que mundo mais louco. Entendi que as coisas na vida acontecem de modo súbito e muitas vezes nós não escolhemos nada. A vida escolhe.
Não tive uma história de romance iniciada, mas tive em 15 minutos uma vida inteira de um ser tão jovem. Essa história nunca antes publicada.
Você concorda que muitas vezes não escolhemos nada?
* Janice Mansur é escritora, professora, revisora de tradução,
criadora de conteúdo e psicoterapeuta (atendendo online).
Canal do Youtube: BETTER & Happier Instagram: @janice_mansur
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