Paternidade: você sabe como vivenciá-la?
Por Janice Mansur (@janice_mansur)*
Você já ouviu falar em função materna e função paterna?
A função paterna é dinâmica e se amplia em experiências cotidianas com o passar do tempo. O papel do pai na sociedade tem se transformado constantemente, e essa “condição” vem evoluindo, conforme ocorrem mudanças culturais, sociais e familiares ao longo da história. A figura paterna caminha desde as situações de autoritarismo nas quais os filhos eram propriedade de seu pai, bem como as mães também, quase sem direitos, até aquelas nas quais era (ou é ainda) visto apenas como suporte financeiro da família. Porém, o convívio em sociedade trouxe hábitos novos que não são totalmente acompanhados pelo ritmo na transformação dos valores. Tendo sido pego de surpresa pelo processo que introduziu a mulher no mercado de trabalho, antes mesmo de assimilar essa nova configuração, o homem também foi pego pela ruptura da hierarquia doméstica e pelo constante questionamento de sua autoridade, o que tornou sua rede de relações afetivas dentro do eixo familiar repleta de lacunas, dúvidas e desestabilizações. Essas transformações ainda se refletem na atualidade com muitos indivíduos que não conseguem lidar com esse novo lugar para assumir sua parentalidade: irresponsabilidade, medo e depressões paternas, podem fazer parte de um novo cenário na vida desse homem.
Devidos aos novos arranjos familiares, principalmente, despois da Segunda Guerra Mundial, e a insegurança gerada pelos novos desafiadores tempos, na sociedade ocidental, os homens se viram obrigados a uma adaptação e começaram a ter participação mais ativa no lar, passando a educar seus filhos com mais proximidade, tanto emocional quanto física, já que a mulher também dividia (e divide) funções profissionais com ele, trabalhando fora de casa ou dentro, mais modernamente.
A conquista de uma independência financeira para a mulher repercutiu também nessa forma de relação entre os papeis parentais e conjugais que também começaram a ser vistos como distintos. Os processos de vinculação entre pais e filhos toma rumos diversos por volta de meados da década de 50 e passar a haver uma liberdade maior para os casais que se separam por diversos motivos, mas entendem que, apesar disso, permanecem pais de seus filhos, obviamente.
Freud muitas vezes tem razão
Além de as teorias psicológicas e as pesquisas científicas afirmarem a importância da figura paterna no desenvolvimento e no psiquismo infantil, a teoria psicanalítica tem como pressuposto o papel estruturante do pai, a partir da instauração do complexo de Édipo, tratado em várias partes na obra de Freud. Ele afirma ser necessária a presença de uma figura de poder na vida dos filhos, sem a qual pode haver uma sensação de ameaça constante e um modus operandi em se defender constantemente. A presença paterna é crucial no processo de desenvolvimento infantil, quando a criança se vê inserida no triângulo edípico, constituído pelo tripé pai-mãe-filho, que é um dos fatores para a função estruturante no desenvolvimento do ego e serve como referência na organização psíquica da criança, e pode ajudá-la a alcançar maior autonomia, e construir segurança e autoestima.
O pai aparece assim com um terceiro imprescindível para que a criança elabore a perda da relação inicial com a mãe. Ele entra como um apoio para a criança perceber que pode ir se desprendendo da mãe, pois sente não ser mais a única a compartilhar da atenção dela. O pai entra como princípio de realidade e ordem simbólica na família cuja função é permitir a abertura daquele serzinho para novas possibilidades. A função paterna para a psicanálise, portanto, é fundamental e, nesse sentido, necessita da função materna também para acontecer de maneira satisfatória, pois é a mãe quem irá introduzir a figura do pai para o filho, bem como é o pai quem poderá apoiar essa mãe nos cuidados com o novo ser, totalmente dependente. Cuidar de filhos é uma tarefa complexa e árdua, e é extremamente necessária a presença da função paterna para que isso ocorra de maneira plena e realizadora.
Onde você está nessa história toda?
Somos constituídos pelo desejo do outro, o desejo do pai e da mãe por um bebê acontece antes mesmo da aparição da criança no meio deles: ela é “falada” antes de existir (Bion). O desejo de ter filhos ou constituir família é uma prerrogativa antiga na humanidade. E apesar de sabermos que o amor materno é um mito e que muitas mulheres preferem seguir suas vidas sem exercer a maternidade, sabe-se que um lar constituído, em que haja equilíbrio entre a função materna e a paterna, independente da identidade de gênero das pessoas que exerçam essas funções, tem maiores chances de ser um ambiente mais nutridor para o amadurecimento do aparelho psíquico. A partir do nascimento de um bebê somos alçados a posição de pai ou mãe, desse modo teremos de lidar com nossa própria origem psíquica, o que é algo bem complexo. O jogo da parentalidade traz certa marca de gênero por pertencimento a ordem da potência reprodutiva, embora haja casais cujos parceiros não possam parir ou gestar – o que pode trazer a ideia de que se é menos mulher por isso. Todavia não é necessário que se geste alguém para ser pai e/ou mãe de fato. A adoção é lícita.
Pai ou mãe, biológicos ou não, precisam somente estar um pouco mais preparados para receber um ser no mundo, pois viver não é simples para nós que somos adultos, imagine para, como costumo brincar, “um menor incapaz”. O bebê é um ser totalmente dependente das pessoas que decidem ou precisam cuidar dele, e, para isso, é importante assumir nossa responsabilidade por essa vida que chega, de onde for.
Nesse sentido, em especial pela data comemorativa do mês, no dia 19 de junho, no Reino Unido, parabenizo a todos, a todas e a todes aqueles que participaram, participam ou vão participar na/da criação de um ser humano.
Beeeiju.
* Janice Mansur é escritora, professora, revisora de tradução, criadora de conteúdo e psicoterapeuta (atendendo online). Canal do YouTube: BETTER & Happier Instagram: @janice_mansur
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