Representatividade racial em brinquedos
A pesquisadora Cristina Cabral discute o tema do seu doutoramento em seminário
Cristina Cabral é uma investigadora cabo-verdiana londrina a finalizar o doutoramento em SOAS – University of London. Vice-presidente do Instituto de Investigação sobre Direitos Humanos e Alterações Climáticas do Reino Unido, Cristina realiza na quinta (06/01) o seminário “The lack of representation of black dolls in the Era of Performative activism of blackness”.
Neste seminário, Cristina irá discutir a falta de bonecas negras nas lojas de brinquedos do Reino Unido, que é o tema do seu doutoramento na SOAS. O evento terá lugar online e em directo no Centre for Languages, Culture & Communication – South Kensington Campus.
A participação é gratuita, mas é preciso registrar-se no site Eventibrite.co.uk (pesquisa pelo nome do seminário). Dois tipos de bilhetes estão disponíveis online/ao vivo no CLCC (números limitados).
Nesta entrevista, Cristina, que também escreve para o jornal Notícias em Português, explica a importância da representatividade racial em bonecas e também em vídeo games, livros, filmes e o impacto disso na formação das crianças.
Notícias em Português – Qual a importância da representatividade racial em bonecas e brinquedos em geral?
Cristina Cabral – É muito importante porque quando uma criança vê representação positiva é como um modelo, da mesma forma que as crianças enxergam seus pais como uma base para moldar a personalidade delas, a representatividade racial é fundamental para a autoestima, para os valores e também para o desenvolvimento social e psicológico da criança.
Quando isso é negado, a criança entra numa crise por não entender seu verdadeiro valor. Para provar isso, nos anos 1940, o casal de afro-americanos psicólogos Clark fez um estudo muito conhecido chamado “The Doll Experiment”. Na experiência, eles mostravam bonecas brancas e negras a crianças negras e perguntavam qual era a mais bonita e a mais feia, qual era boa e era má. A resposta sempre era de que a boneca negra era a feia, era a má.
Então, isso vai nos dizer que com o tempo para essas crianças dos Estados Unidos, em uma época de segregação, a falta de representatividade racial gerou muitos problemas. Agora pensando nos dias de hoje, quando vivemos em quarentena, quando as crianças são forçadas a se isolar, não ter acesso a brinquedos vai trazer problemas a nível social, a nível de amor-próprio e em termos de saber o seu valor na sociedade.
Como a falta de representatividade racial em bonecas pode afetar o desenvolvimento de uma criança?
Se a criança sentir que tem uma posição no mundo dos brinquedos, ela não vai achar que os padrões da sociedade branca são normalizados. Com representatividade, as crianças vão aprender sobre empatia, a ter confiança nos seus valores, a ser melhores seres humanos, melhores mães, melhores pais e entender que todos somos iguais e somos uma única raça: raça humana.
O fato de uma pesquisa como a sua existir é um sinal de que alguma coisa está mudando para melhor?
Sim. Estou tirando o meu doutoramento na escola de estudos orientais e africanos. É um lugar que realmente dá oportunidades a esse tipo de discurso porque o SOAS (University of London) é uma universidade que tem como finalidade descolonizar o ensino. Ensinar e educar, mas incluir as vozes de África. Para mim é muito positivo ter sido aceita para esse doutorado. A minha pesquisa não será apenas de uma tese escrita. Será um conjunto de filmes documentários que vão retratar histórias de crianças que necessitam de ter acesso a bonecas.
O fato de eu ser convidada a apresentar a minha pesquisa em instituições como o Imperial College realmente é um sinal que as coisas estão mudando. Mostra a intenção de mudar o que ainda não está bom para as crianças negras. E tendo em conta que Londres é uma cidade multicultural, que é lar para centenas de nacionalidades, cores, então é um estudo que faz muito sentido ser feito. Muitas crianças irão se beneficiar de uma melhor oferta de brinquedos e também de outras mídias, como vídeo game, livros, para que os personagens se pareçam com as crianças.
O tema da representatividade racial tem sido tratado de forma diferente na Inglaterra?
Em comparação com Portugal e Brasil, a Inglaterra realmente está melhorando muito mais, no sentido de estar disposta a mudar. Muitas coisas que há algum tempo não se podia falar, hoje já está em debate. Em todas as empresas, a diversidade está na pauta. Não é perfeito, mas muita coisa está mudando. Por exemplo, não seria possível uma pesquisa como a minha em Portugal.
O que os pais e mães podem fazer para assegurar uma educação multirracial e inclusiva a seus filhos?
Nós vivemos em uma cidade multicultural onde a gente precisa aprender a respeitar outras culturas. Como imigrantes e como cidadãos do mundo, nós temos que aprender a respeitar outras culturas. É muito importante os pais conversarem com seus filhos sobre as vantagens das diferença. E quando a gente olha para Londres, é uma cidade que tem tantas cores, tantos sabores, tanta cultura e é essa diferença que faz com que essa cidade seja extraordinária. É isso que a gente tem que ensinar para os filhos em casa. Temos que ensinar que as nossas diferenças nos fazem únicos e especiais. Tem que haver essa educação por parte dos pais porque as crianças são nossos seguidos. Nós somos o “whole model”. Se nós usamos uma linguagem preconceituosa em casa, se nós nunca falarmos sobre a importância da diversidade, como essa criança vai crescer e encarar o mundo, trabalhando com pessoas diferentes, como ela vai ter empatia, ser mais humana e também ver que as diferenças não são negativas? As diferenças nos dão valor e cor.
Por isso a representatividade racial em bonecas, vídeo games, brinquedos, filmes é uma ferramenta essencial para ensinar às crianças que existe beleza nas diferenças, que existe riqueza cultural e a ter mais compaixão, ser melhor líder, melhor governante. Cabe a nós pais começar a falar disso em casa, para que sejamos todos antirracistas.
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