Hostilidade do Home Office se estende à polícia

Por María Victoria Cristancho @mavicristancho

“Não ter documentos não deveria ser motivo para parar de informar à polícia no caso de ser vítima de violência doméstica”, quem assegura é a vereadora do bairro de Hackney Claudia Turbet, ao recomendar que, se a pessoa tiver dúvidas legais, é melhor ir primeiro a uma organização latino-americana que possa aconselhá-la adequadamente.

Os comentários de Turbet vêm em resposta às preocupações levantadas por um relatório do Conselho Conjunto para o Bem-Estar dos Imigrantes (JCWI) e publicado pelo New Statesman, que adverte que nos dois anos desde maio de 2020, 2.656 vítimas de crimes foram encaminhadas ao Home Office para deportação.

Estes números foram fornecidos pelo próprio governo, sob uma Lei de Pedido de Liberdade de Informação.

A councillor nascida na Bolívia lamentou que as políticas de imigração hostis façam com que muitas pessoas sem documentos tenham medo de ir às autoridades em casos de violência doméstica, abuso infantil ou outros crimes.

“Mesmo que uma pessoa latino-americana ou de língua espanhola não tenha documentos no Reino Unido, ela tem direitos e deve saber disso”, firma Turbet, observando que existem organizações como o Serviço de Direitos da Mulher Latino-americana (Lawrs) que podem apoiá-la durante todo o processo.

De acordo com o relatório do Conselho Conjunto para o Bem-Estar dos Imigrantes, houve casos em que indivíduos sofreram crimes como escravidão, tráfico humano ou abuso doméstico, mas foram tratados simultaneamente por policiais como possíveis “infratores da imigração”.

Refere-se ao caso de Lucia Alvarez (nome fictício) transferida para o Reino Unido com um visto de visitante em 2019. Nesse mesmo ano, ela conheceu online um parceiro que, após alguns meses, propôs casar-se com ela antes de seu visto expirar. Entretanto, com o passar do tempo, ele se tornou cada vez mais agressivo, física e psicologicamente. Quando a pandemia começou, seu controle e abuso aumentaram, levando Lúcia, que compartilha sua conta através do Serviço Latino-Americano dos Direitos da Mulher, a ter pensamentos suicidas.

Lúcia terminou o relacionamento no final de 2021, mas seu parceiro continuou a enviar mensagens ameaçadoras. Apesar de ter medo de chamar a polícia por causa de sua situação legal, Lucía apresentou uma queixa e pediu um intérprete. Quando a polícia chegou em sua casa, nenhum intérprete foi fornecido; os policiais lhe disseram que ela deveria saber que encontrar pessoas on-line não era seguro, o que a deixou humilhada.

Os oficiais verificaram o passaporte de Lucia e o visto vencido, depois chamaram a Immigration Enforcement, uma divisão do Home Office, na frente dela, dizendo-lhe que deveria estar pronta para deixar o país a qualquer momento. Os oficiais não queriam sair de sua casa até que ela lhes desse uma data até a qual ela retornaria ao seu país de origem.

Para piorar a situação, a polícia disse a Lúcia que seu ex-parceiro não a havia ameaçado e que, portanto, ela não era vítima de nenhum crime. Não lhe foi dado um número de referência de crime ou qualquer compromisso de investigar. Seu ex-parceiro continuou a assediá-la, ameaçando-a até mesmo por e-mail de ir até sua casa.

Como a polícia não admitiu que Lúcia foi vítima de crime, ela não é contada entre as 2.656 pessoas encaminhadas ao Home Office, o que significa que este número é provável que seja uma sub-representação do problema.

De acordo com Mary Atkinson, oficial de campanha do JCWI, “para cada pessoa que é denunciada ao Serviço de Imigração depois de ir à polícia para obter apoio, incontáveis milhares evitam a polícia por medo da deportação. Não há dúvida de que isto permite maior exploração e abuso de pessoas vulneráveis e cria uma corte de pessoas que não têm nenhum recurso à justiça”.

Apesar dos riscos, denuncie

A councillor Claudia Turbet recomenda que, nos casos em que você se sinta vítima de um crime de violência doméstica, mesmo que não tenha documentos, não hesite em denunciar à polícia.  Mas primeiro procure o conselho de organizações como Lawrs ou Irmo, que trabalham para apoiar a comunidade em assuntos legais.

Já pesquisas anteriores, Right to be Believed from 2019 pela campanha Step Up Migrant Women corroboram este quadro, mostrando como mulheres migrantes com status imigratório inseguro esperaram o dobro do tempo para denunciar abusos à polícia (com uma média de 35 incidentes de violência). Chamar a polícia seria um último recurso.

O relatório pesquisou mais de 70 mulheres de 22 países que haviam se mudado para o Reino Unido. Descobriu que mais da metade das mulheres migrantes temia que a polícia não acreditasse nelas por causa de seu status imigratório, e metade achava que a polícia ou o Home Office apoiaria o perpetrador sobre elas.

“É importante reconhecer que os criminosos usam a ameaça de denunciar à polícia como uma ferramenta de manipulação e poder sobre migrantes inseguros”, disse Cathy McIlwaine, co-autora do relatório e professora de geografia no King’s College London.

Este último relatório menciona o testemunho de uma mulher brasileira, que disse ter sofrido violência doméstica às mãos de seu marido, que continuava ameaçando deportá-la do Reino Unido. “Ele me denunciou aos serviços sociais e lhes disse que eu estava sendo abusiva para com nossos filhos. Ele me disse que eles nunca iriam acreditar em mim. Eu estava indocumentada e temia ser denunciada à polícia. [No final], a polícia me negou apoio e eu fiquei sem teto. Eles me disseram que eu não tinha a custódia de meu filho porque eu estava indocumentada”.

Situações como estas não só afetam os migrantes indocumentados, mas também aqueles que podem estar no Reino Unido com um visto de visitante ou dependente, e que foram mal-informados ou estão inseguros sobre seus direitos.

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