A tv não é o que mostra na tv

Menos de 20 dias antes das eleições. Estamos no momento em que é importante ser pardo, em que os candidatos subitamente parecem gentis, humanos e verdadeiros: falar que o Brasil está melhor do que estava, que se fez todos os esforços na pandemia, mesmo com imagens em que as pessoas se riem de quem morreu, de quem tinha falta de ar, riam e tentaram ganhar dinheiro com vacina.

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Um dia dizse que se vai respeitar a lei e no outro diz-se que se se perder algo está errado. Sobe-se aos palanques mais nobres do mundo e se fala o imaginário, o que se sonha ter feito, o que se deseja que as pessoas achem que se fez. Só falta a farofa visível… É, sei como é, você trai as pessoas e depois diz a todos que as pessoas é que mentem. Tem disso tudo no meu país também.

Muitas pessoas não querem saber mais do que o que a televisão diz. Estão habituadas a guiar o seu caminho e a sua vida pelo que os líderes dizem, pelo que podem obter em troca de serviços. Ver na rua mulheres – curioso serem sempre só mulheres – de pé na calçada segurando uma madeira com o cartaz de um candidato, supostamente uma propaganda, mas todas com vontade de estar noutro lugar, é doloroso.

Algumas se vão sentando, encostando nas árvores, comentando que têm sono, que estão fartas de estar ali sem fazer nada. Mas não podem dizer nada em voz alta porque aquele candidato é o que o bairro defende, o que o bairro é amigo. Ninguém se arrisca, todos sabem o que acontece a quem não faz o que a maioria manda fazer. Se pensarmos por um momento que isto pode acontecer, não num bairro, mas num país continental, é assustador.

Qual o melhor meio de controlar, manipular as pessoas? De poder falar com todas elas ao mesmo tempo? As mais pobres, que não se interessam em saber mais do que o que diz respeito à sua vida de todos os dias, dar de comer aos filhos e ter um teto? Dizem que as televisões públicas, mostram o que é sério quando lhes interessa e mostram receitas de bolo, novelas, reality show, quando querem menosprezar ou não querem informar do sério que acontece e não lhes agrada.

Me lembra das famílias do século passado que omitiam as verdades cruéis aos seus filhos, para os proteger – como se pudéssemos proteger as outras pessoas da sua própria vida e caminho – em vez de educar para enfrentar a vida, fosse qual fosse o sucedido e que eram especialistas em segredos e no “não dito”, que na verdade era tudo dito e falado, mas nas costas das pessoas da forma e cor que bem entendiam e fosse útil para os seus objetivos. O que muitas vezes levava – nas “famílias”, ao “lawfer”, mais ou menos, como os boatos.

Você vai para uma janela bem alta, abre a janela, fura uma almofada cheia de penas e solta as penas ao vento – definição de boato na peça de teatro “A Dúvida” de John Patrick Shanley, em 2004 – e a pessoa que sofre o boato terá de apanhar todas as penas, todas, para que esse boato desapareça.

Sabemos bem como isso é praticamente impossível e o gosto amargo dessa almofada também, sempre que recusamos seguir as manadas, seguir o poder, seguir os que controlam e manipulam. Pensar pela própria cabeça, incomoda os outros, quando devia ser incentivado. Vida tão estranha… Me recordo que quando vim para o Brasil, trouxe comigo um instrumento de cozinha que não existia aqui e que minha mãe me pediu para trazer e entregar a Ana Maria Braga.

Minha mãe devorava seu programa porque sempre amou culinária e via que sempre ela – Ana Maria Braga – falava numa pessoa, por vezes uma portuguesa mostrando novas receitas, dessa pessoa. Parecia tão próxima das pessoas… Eu cheguei a assistir junto com minha mãe a muitos momentos desses. E quando vim, trouxe o instrumento, pensando que ia ser super fácil entregar uma prenda, afinal não ia pedir nada, ia dar, a Ana Maria Braga. Um dos desejos doces da minha mãe, muito melhor cozinheira que Ana Maria Braga.

Durante anos perguntei, liguei, enviei e-mails, mensagens, o que mais puderem imaginar. Minha mãe morreu achando que eu não me esforcei, que quando aqui cheguei me esqueci desse favor, mesmo eu lhe tentando explicar que sofri um baque, um susto e uma desilusão quando percebi que o que vemos na televisão nada tem a ver com a realidade, mesmo que pareça tão bem!!! Que tentei de tudo mas que afinal aquilo é mentira, é faz de conta, que a Globo é enorme e que eles não querem saber de verdade o que dizem.

O instrumento está aqui em casa olhando para mim, novo, aguardando um milagre que sei que não vai acontecer e que na verdade já nem quero que aconteça porque se quebrou o encanto, magoei demais minha mãe, descobrimos a verdade, a triste e patética verdade do mais vale parecer do que ser.

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Que pena! O quarto poder atrapalha muito mais do que parece… Domingo, dia 2 de outubro, dia em que o Brasil inicia “a apanha de todas as penas que foram lançadas pela janela” e retira meninos irresponsáveis enriquecendo com incompetência e brincando de serem importantes…

Por: Ana Santos

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