Crônica de Marta Salles

Pagando mico com Yves Saint Laurent e Calvin Klein


Acredito que apenas aqueles que alcançam um bom nível cultural podem fazer escolhas coerentes e tomar decisões com assertividade. Quanto maior for o nível cultural de um indivíduo, maiores são as probabilidades de obter sucesso em sua jornada terrena. Embora a ignorância possa trazer menos sofrimento, se estamos aqui para evoluir, supõe-se que desejamos nos aprimorar como seres humanos.

Considero-me uma defensora e operária da cultura, um legado deixado por minha mãe. Desde que iniciei minha jornada sozinha, priorizei questões culturais que acredito preencherem o vazio causado pela falta de resposta à pergunta “o que vim fazer aqui?”. A cultura não está restrita apenas a pessoas elegantes, acadêmicas ou com doutorado. Se essas pessoas não têm respeito pelo próximo, pelo nosso planeta, se fazem mau uso da água, não descartam corretamente o lixo que produzem, respondem questões profissionais com descaso ou silêncio, ou pior, tentam passar por cima dos outros para alcançar o sucesso em suas iniciativas, penso que são desprovidas de cultura. A maturidade profissional não está necessariamente ligada à elegância, especializações acadêmicas ou amplo conhecimento geral. Muitas vezes encontramos pessoas privilegiadas em vários aspectos, mas que são como bebês chorões, esperando que o mundo satisfaça seus egos para que as coisas caminhem bem para elas. De certo que a cultura pode ser prima-irmã da inteligência emocional, mas da elegância, jamais. A elegância reflete nosso invólucro, enquanto a cultura revela nossa alma e nosso estágio evolutivo.

Acredito veementemente que para nos olharmos no espelho e nos orgulharmos do ser humano que somos durante a maior parte de nossa jornada terrena, é essencial cuidar da saúde de nossa essência e protegê-la dos fatores externos. Adotar o lema “só permitir tocar no invólucro se antes se sentir tocado em algum componente da fórmula”, assim podemos abrir a porta da nossa alma. É o primeiro passo para vivermos em harmonia conosco mesmos.

Um dia liguei para uma amiga muito próspera, alegre e uma excelente companheira de diversão, e disse que precisava vê-la, pois estava deprimida. Naquele país, precisava previamente agendar um encontro com um amigo, mas como ela adorava o Brasil e já havia absorvido parte de nossa cultura, estava sempre disponível para nos encontrarmos sem muitas formalidades e depressa veio me ver. Quando nos encontramos, ela antecipou: “Estou à disposição, só não tenho dinheiro no momento. Estou atravessando uma fase econômica muito…”. Eu a interrompi com um acesso de riso incontrolável e muita vontade de dizer a ela: “Exceto por uma desgraça, para me emprestar dinheiro, você terá muito que malhar a sua sensibilidade para alcançar o estágio em que me encontro”. Talvez inferior ao seu, mas é lá que eu estou minha querida, é lá que eu me sinto bem. “Não quero dinheiro, quero “amor” sincero” e riso verdadeiro…” Naquele momento, minha tristeza desapareceu como num passe de mágica, e até hoje ela me pergunta o motivo de minhas gargalhadas.

Assim como minha irmã e outra amiga querida, talvez nunca entendam minha decepção quando me presentearam com uma bolsa Yves Saint Laurent e um sapato Calvin Klein. Fiquei muito desapontada, especialmente com minha irmã. Conhecendo-me desde sempre, como ela pôde gastar dinheiro em algo tão tolo para me agradar? Até mesmo para compor minhas fantasias de madame e promover a imagem das empresas e dos artistas para os quais trabalho, acho totalmente inadequado. E ainda disse que era a minha cara, uma coisa que me envergonha profundamente e me atribui uma característica que não possuo.

Eu pretendo é continuar navegando livremente pelo mundo dos consumidores e dos poetas, de onde nunca deveria ter saído, e ser a mesma pessoa, independentemente da marca que ostento. Ser livre para ser quem sou, estar onde quero, na companhia de quem quero. E compartilhar meu simples mundo com aqueles que se encaixam nele, são as minhas maiores vaidades. Diariamente oro a Deus para me ajudar a ser uma pessoa justa e aproveitar meu tempo neste plano físico de maneira significativa. Não quero ser condicionada a fazer vênia para ser aceita em algum lugar, exceto se for o protocolo da casa. Desejo estar em locais onde as pessoas possam perceber um elogio em meu olhar, receber minha admiração em um abraço e sentir meu respeito em um simples aperto de mãos. Com Calvin Klein ou com chinelos de couro fedorentos do Mercado Modelo, quero estar com pessoas que não vasculhem defeito alheios e aproveitem o tempo na Terra para serem felizes, sem se incomodar com a felicidade dos outros.

Por Marta Salles

Poetisa, gestora cultura, radialista e jornalista

pelalentedapoeisa@gmail.com

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