Você sabe se ama ou está apaixonada/o?

Por Janice Mansur (@janice_mansur)*

Todos projetamos. Idealizamos o outro em qualquer início de uma relação, e isso faz parte do apaixonar-se, aliás, a palavra “paixão” do grego pathos também pode significar excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento, afecção da alma, doença, ou seja, apaixonar-se pode ser entendido como estar em sofrimento, encontrar-se assujeitado. Portanto, a pessoa fica meio doente mesmo, por exemplo, quando diz “amo tanto que chega a doer aqui no coração” ou parece que levei um soco “na boca do estômago”, “perdi meus sentidos quando o vi”, quando tudo foge ao controle e “não consigo parar de pensar nela” e vamos ficando fora das nossas capacidades “normais”, se “não sei mais quem sou quando estou sem ele”. Como dizem os ditados mais antigos – o apaixonado vê com outros olhos.

Eu acrescentaria, nem vê. Essa é a verdade.

Você alguma vez já se sentiu incompetente? Uma vez fui a um show da Adriana Calcanhoto, quando ela era ainda muito jovem e desafinava – posso falar, pois sempre fui sua fã, apesar disso – em que ela dizia: “os apaixonados são todos uns incompetentes”, porque perdem o pé da realidade, no sentido de se tornarem meio idiotas e fantasiarem o mundo. Concordo em parte, meio rindo aqui, porque sei, hoje, que toda pessoa apaixonada vai discordar veementemente e dizer: que nada, “ele é o homem da minha vida”, “ela é tudo o que eu esperava”! Mas o fato é que de pathos, como falamos anteriormente, provém a palavra patético que significa, entre outras coisas, pessoa capaz de emoção ou sentimento, o que é cheio de sentimento, mas que pode ser também aquele que suscita piedade, dó ou tristeza; ou ainda aquele que causa desdém por ser ridículo ou exagerado. Daí, como podemos ler, faz muito sentido o que a Calcanhoto dizia.

Todo apaixonado é um exagerado! Já dizia também Cazuza, outro clássico da MPB, com as frases da música em que o amado diz “Eu nunca mais vou respirar/ Se você não me notar/ Eu posso até morrer de fome/ Se você não me amar”. A necessidade de ser amado e o desejo de ser correspondido à proporção do fogo que arde pelo outro é a máxima de quem está apaixonado. Necessito do outro a todo custo, pois acho que encontrei afinal o “verdadeiro” amor da vida. Por isso, muitas pessoas sentem-se mal, desmaiam, sentem frio na barriga, passam dias sem dormir ou comer, pois há muito mais em jogo do que uma atração fatal.

Afinal, é paixão ou amor?

Há indícios de que a paixão pode ser uma forma de amor mais intensa associada ao início de relacionamentos, o que pode ser perigoso ou trazer graça à vida. Quando eu deixo o outro entrar em minha vida, isso se dá numa espécie de “lugar pré-programado” por minha fantasia, ou encontro o outro numa situação de êxtase quase absoluto, em que não sei nada sobre ele, e este mistério fascina. Assim, acabo investindo no outro, projetando nele coisas que na verdade não existem ali.

Portanto, haveria uma condensação no outro de amores ideais que eu trago em mim. Este esse seria o momento do apaixonamento, que seria como uns óculos pelos quais enxergamos esse encantamento, antecipando no outro o que não existe lá. Freud diz que apaixonar-se implica um rebaixamento cognitivo, uma espécie de patologia, como dissemos. A paixão tem o poder de nos pôr de joelhos “jogado a seus pés”, like Cazuza. Mas a paixão não se restringe apenas a esse vínculo dual, pode até produzir um efeito hipnótico quando se relaciona aos líderes, ídolos, conforme ocorre no processo de endeusamento das grandes massas.

Todavia, no que diz respeito a dois, quando a paixão começa a ceder lugar ao amor, aquela começa a arrefecer. O amor seria como um segundo capítulo nessa história toda, um conjunto de momentos para dar continuidade a esse encontro em que a dupla estabelece como seguirão juntas para algum objetivo: casar-se, ter filhos ou não, entre outros. Por isso, muitas pessoas querem sentir-se apaixonadas eternamente para terem a sensação de estar vivas e continuar a sentir o frio na barriga. Pode-se pensar que a paixão é o momento em que se descobriu o “amor”, mas ao contrário do que se pode esperar, este é só o primeiro contato para algo de maior surgir.

Quando surge.

* Janice Mansur é escritora, professora, revisora de tradução, criadora de conteúdo e psicanalista (atendendo online). Canal do YouTube: BETTER & Happier Instagram: @janice_mansur

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