O desigual impacto da pandemia na educação
Por Human Rights Watch
Os governos devem agir rapidamente para reparar os danos causados à educação das crianças devido a interrupção de aulas por causa da pandemia de Covid-19, disse a Human Rights Watch. O relatório da organização contém um recurso interativo que explora obstáculos frequentes à educação que foram agravados durante a pandemia.
O relatório de 131 páginas, “’Os anos não esperam por eles’: Aumento das desigualdades no direito à educação das crianças devido à pandemia de Covid-19”, documenta como o fechamento de escolas por causa da Covid afetou as crianças de forma desigual, já que nem todas possuíam oportunidades, ferramentas ou acesso necessários para continuar aprendendo durante a pandemia.
A intensa dependência do ensino à distância exacerbou a já desigual distribuição de apoio à educação, concluiu a Human Rights Watch. Muitos governos não tinham políticas, recursos ou infraestrutura para implementar o ensino à distância de uma forma que garantisse que todas as crianças pudessem participar em condições de igualdade.
“Com milhões de crianças privadas do direito à educação durante a pandemia, agora é a hora de fortalecer a proteção do direito à educação através da reconstrução de sistemas educacionais de melhor qualidade, mais equitativos e robustos”, disse Elin Martinez, pesquisadora sênior em educação da Human Rights Watch. “O objetivo não deve ser apenas retornar a como as coisas eram antes da pandemia, mas corrigir as falhas nos sistemas que há muito impedem as escolas de serem abertas e acolhedoras para todas as crianças.”
A Human Rights Watch entrevistou mais de 470 alunos, pais e professores em 60 países entre abril de 2020 e abril de 2021.
“A professora deles me ligou para me dizer para comprar um grande telefone [smartphone] para ensino online”, disse uma mãe de sete filhos em Lagos, Nigéria, que perdeu sua renda quando a universidade onde trabalhava na área da limpeza fechou devido à pandemia. “Não tenho dinheiro para alimentar minha família e estou lutando para sobreviver. Como posso pagar por um telefone e internet?”
Em maio de 2021, 26 países tinham fechado escolas em todo território nacional e em outros 55 países, escolas permaneceram parcialmente abertas, seja apenas em alguns locais ou apenas para alguns níveis de ensino. Estima-se que 90% das crianças em idade escolar no mundo tiveram sua educação interrompida pela pandemia, segundo a UNESCO.
Para milhões de estudantes, o fechamento de escolas não será uma interferência temporária em sua educação, mas o fim abrupto dela, disse a Human Rights Watch. Crianças começaram a trabalhar, casaram-se, tornaram-se pais, ficaram desiludidos com a educação, concluíram que não conseguem recuperar o tempo perdido ou perderam a escolaridade gratuita ou obrigatória garantida pelas leis do seu país.
Mesmo para os alunos que voltaram ou que voltarão às suas salas de aula, a evidência sugere que nos próximos anos eles continuarão a sentir as consequências da perda de aprendizado durante a pandemia.
Os prejuízos à educação de muitas crianças têm como base problemas pré-existentes: uma em cada cinco crianças estava fora da escola antes mesmo de Covid-19 começar a se espalhar, de acordo com dados da ONU. O fechamento de escolas induzido pela Covid tendeu a prejudicar particularmente os estudantes de grupos que enfrentavam discriminação e exclusão da educação mesmo antes da pandemia.
Isso inclui crianças que vivem em situação de pobreza ou em risco de pobreza; crianças com deficiência; minorias étnicas e raciais em um país; meninas em países com desigualdades de gênero; crianças lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT); crianças em áreas rurais ou áreas afetadas por conflitos armados; e crianças deslocadas, refugiadas, migrantes e requerentes de asilo.
“Os governos tinham anos de evidências robustas mostrando exatamente quais grupos de crianças tinham maior probabilidade de sofrer educacionalmente durante o fechamento das escolas, e ainda assim essas crianças enfrentaram alguns dos maiores obstáculos para continuar seus estudos”, disse Martinez. “Apenas reabrir escolas não irá desfazer os danos, nem mesmo garantir que todas as crianças retornarão à escola.”
As escolas entraram na pandemia mal preparadas para oferecer educação remota a todos os estudantes de forma igualitária, concluiu a Human Rights Watch. Isso se deve ao fracasso de longo prazo dos governos em remediar a discriminação e as desigualdades em seus sistemas educacionais ou em garantir serviços governamentais básicos, como eletricidade estável e acessível nas residências, ou facilitar o acesso à internet com preços acessíveis.
Crianças de famílias de baixa renda estavam mais propensas a serem excluídas do aprendizado online porque não tinham acesso à internet ou dispositivos suficientes. Particularmente as escolas que já sofriam com um histórico de poucos recursos e com estudantes que já enfrentavam obstáculos de aprendizado maiores tiveram dificuldades para alcançá-los em meio às barreiras digitais. Os sistemas de educação muitas vezes falham em fornecer treinamento em alfabetização digital para alunos e professores a fim de garantir que eles possam usar essas tecnologias com segurança e confiança.
A educação deveria estar no centro dos planos de recuperação de todos os governos, disse a Human Rights Watch. Os governos deveriam enfrentar tanto o impacto da pandemia na educação das crianças, quanto os problemas pré-existentes. À luz da forte pressão financeira que a pandemia impôs sobre as economias nacionais, os governos devem proteger e priorizar o financiamento da educação pública.
Os governos precisam retomar rapidamente os compromissos assumidos em 2015, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, para garantir que todas as crianças recebam uma educação primária e secundária inclusiva de qualidade até 2030, disse a Human Rights Watch. Deveriam trabalhar intensamente para garantir que as crianças sob maior risco de evasão escolar ou de enfrentar obstáculos voltem à escola.
Os governos e as escolas deveriam analisar quem abandonou a escola e quem voltou, e garantir que os programas de volta às aulas busquem todos aqueles que evadiram, inclusive fornecendo benefícios financeiros e sociais. O alcance das campanhas de volta às aulas deve ser amplo e acolher crianças e jovens que já estavam fora da escola quando as escolas tiveram que fechar.
Todos os governos, e os doadores e atores internacionais que os apoiam, deveriam ser firmes em seus compromissos de fortalecer sistemas de educação pública inclusivos. Construir sistemas de melhor qualidade requer investimento adequado e distribuição igualitária de recursos, bem como remover rapidamente políticas e práticas discriminatórias, adotar planos para reparar o direito à educação para milhões de estudantes e fornecer internet de baixo custo, estável e acessível para todos os alunos.
“A educação das crianças foi prejudica em um esforço para proteger a vida de todos do coronavírus”, disse Martinez. “Para compensar o sacrifício das crianças, os governos deveriam finalmente enfrentar o desafio e urgentemente tornar a educação gratuita e acessível para todas as crianças em todo o mundo”.
Para mais reportagens da Human Rights Watch visite:
https://www.hrw.org/topic/childrens-rights
Imagem: Unsplash
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