Eleições portuguesas: Votar por correspondência no paraíso do voto eletrónico
Por Pedro Malheiro*
Já muita gente se manifestou a favor do voto eletrónico. As razões vão desde as dificuldades de deslocação aos consulados, aos inúmeros portugueses que não veem chegar os envelopes para voto por correspondência, até à eterna polémica da cópia do cartão de cidadão que levou à invalidação de mais de 157 mil votos.
Felizmente, contrariada com a repetição das eleições, entretanto decidida pelo Tribunal Constitucional.
Ainda agora na repetição voltamos a ter problemas com muitos eleitores a não receberem os envelopes
(Alemanha, Suíça, França). Outros só estão a receber nestes dias (12 de março 2022) quando deveriam
estar a enviá-los para poderem chegar até 23 de março (França). Recentemente, recebemos relatos de
votos que foram colocados no correio no Reino Unido e Alemanha. Voltaram para casa dos eleitores
porque os correios não compreendiam a língua do envelope exterior, entre outras razões.
Esta semana realizámos um debate aberto sobre o “Voto Eletrónico dos Portugueses no Estrangeiro”
(https://www.facebook.com/VoltPortugal/videos/3216761468606377). Convidámos um consultor de sistemas digitais, emigrante português na Estónia, o Miguel Melo. Como todos sabemos, a Estónia implementou o voto eletrónico há muitos anos. Introduziu o voto eletrónico em 2005 (eleições municipais).
Contudo, o voto por correspondência foi muito bem-vindo, porque Tallinn não tem representação diplomática portuguesa. O Miguel teria de ir a Helsínquia e, muito embora fosse agradável o passeio de barco, não deixaria de ser um dia quase inteiro para conseguir votar. Mesmo assim, a prática de voto por correspondência não existe para todas as eleições. “Nas presidenciais e europeias tive de me mover até Helsínquia”, desabafou o jovem consultor de sistemas digitais.
No entanto, o voto por correspondência teve o problema do tamanho do envelope. E o nosso convidado tem a sorte de ter uma máquina fotocopiadora em casa para fotocopiar o cartão de cidadão. Algo que não acontece na grande maioria de eleitores e eleitoras por essa Europa fora. Duarte Costa (cabeça de Lista do Volt Portugal) passou 4 dias na Suíça em campanha. Registrou que, naquela federação que realiza 6 a 8 atos eleitorais por ano, não é necessário juntar cópia de qualquer documento de identificação. Ninguém se queixou até hoje sobre eventuais fraudes ou violações do princípio de uma pessoa, um voto”.
Como é a experiência do voto eletrónico na Estónia?
Mas, para além de votar em Portugal nas eleições nacionais, o Miguel vota localmente para as eleições
municipais em Tallinn, e, portanto, pode fazê-lo eletronicamente.
Sabemos que a Estónia já tem implementado o voto eletrónico há mais de 15 anos. Sabemos que já foi
inclusivamente “hackeada” pelos russos e que conseguiu proteger-se. Mas vamos ver alguns dados concretos recolhidos na Wikipédia:
● Introduziu o voto eletrónico em 2005 (eleições municipais);
● Em 2007, as eleições parlamentares foram por voto via Internet (1º caso no mundo);
● O sistema está construído em cima do ID card;
● O ID Card tem possibilidade de autenticação segura, remota, permitindo assinatura digital e suporta a infraestrutura da administração pública (semelhante ao nosso CC);
● O voto é permitido durante um período antes do dia das eleições (4 a 6 dias);
● Os votantes podem mudar os seus votos eletrónicos as vezes que entenderem. O último voto que foi submetido é o que conta no dia de eleições;
● A relação custo-eficiência do voto online é a melhor do sistema de votos da Estónia (comparado com o voto presencial e por correio);
● O princípio “um voto, uma pessoa” neste sistema foi contestado em tribunal em 2005, mas perdeu em tribunal supremo;
● Nas últimas eleições em 2021 (eleições locais), cerca de 50% dos eleitores votaram eletronicamente.
Miguel Melo relata: “É mais simples do que parece. O ID card já está ultrapassado. Ainda dá para usar, mas existe uma forma de votar com o telefone móvel, até por um telemóvel de velha geração, chamada Mobile-ID. Também existe uma smart-ID que é uma app de smartphone, mas não é um documento oficial do estado como as outras duas. A minha empresa fornece esses métodos ao estado.”
O que falta para Portugal lançar o voto eletrónico nos círculos da Emigração?
Assumindo que o voto eletrónico é uma ferramenta fiável, segura e facilmente (re) utilizável em diferentes eventos eleitorais como referendos, eleições locais regionais, nacionais e também eleições integradas em contextos internacionais, o que falta para aplicarmos no nosso país?
Não é um “bicho de sete cabeças” do ponto de vista tecnológico e, inclusivamente Portugal já tem uma
administração pública com um considerável grau de digitalização. Se para uma pessoa comum não é
complicado fazer transferências bancárias online com códigos, com confirmação por mensagem telefónica, não será de certeza complicado votar da mesma forma. E já não estamos a falar só de jovens, estamos a incluir aqui também pessoas com mais de 60 anos habituadas a usufruir dos serviços digitalizados da administração pública e de privados.
Eu diria que a grande maioria dos partidos está a favor da introdução do voto eletrónico. Já temos em termos nacionais e europeus uma legislação de ferro em relação à proteção de dados pessoais e de todo o tipo de garantias de privacidade. Porém, é preciso vigilância constante dos sistemas, a sua atualização e devida regulação. Não é necessário votarem todos de forma digital. Haverá sempre outras formas de exercer o direito de votar, quer seja presencialmente ou por correio postal.
Pelo que o Volt já apurou, analisando os cadernos eleitorais eletrónicos, estimamos pela nossa amostra que centenas de milhares de moradas estão incompletas, desatualizadas, impedindo milhares de portugueses de votar. Por exemplo, algumas moradas na Europa, como no Reino Unido ou em França, estão assinaladas no Afeganistão no campo “país”. Sabe-se que nas legislativas de 2019, 300.000 portugueses ficaram inviabilizados de participar nas eleições por não receberem o boletim de voto por via postal. 30.000 dos votos enviados foram considerados nulos por erros de processo ou por um zelo excessivo sobre a aplicação do processo de voto postal.
Com o voto eletrónico, isto nunca aconteceria!
O Volt quer dar voz aos cidadãos portugueses residentes na Europa, começando por reformar o sistema eleitoral de forma a incluir efetivamente a participação dos portugueses no estrangeiro. Isto começa por adotar o voto eletrónico à distância (e não presencial, como defende o PS) através de um sistema devidamente testado, seguro, anónimo e acessível. E também por promover alterações no sistema
eleitoral que garantam um equilíbrio entre representatividade e proporcionalidade, à semelhança do
modelo eleitoral alemão (e agora também do parlamento Europeu devido à reforma eleitoral recentemente aprovada).
O voto eletrónico deve ser enquadrado no contexto: não só facilita o acesso ao voto, como também se trata de uma oportunidade de renovação da experiência de participação na democracia e nos seus atos eleitorais. É preciso dar mais razões para as pessoas quererem ir votar, mas a experiência de votar não pode ser dispendiosa, complexa, confusa e ambígua. O voto eletrónico é indispensável numa população dispersa, já por si afastada dos assuntos do nosso país, mas sempre desejosa de manter os seus laços,
que ama o seu país, que gosta muito de o visitar e de um dia, quem sabe, talvez voltar.
Os portugueses (as) no estrangeiro gostam de ser acarinhados e merecem isso.
* Pedro Malheiro é um português a residir em Bruxelas. É um dos fundadores da associação Também Somos Portugueses.
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Porque tudo o que é encriptado pode ser desencriptado e eu não quero que o meu voto eletrónico seja depositado na urna electrónica juntamente com a minha identidade. Para que isso aconteça, não confio em informáticos nem em ninguém para guardar as urnas num processo eleitoral.