Como Portugal olha para os portugueses que residem no estrangeiro
Por Manuel Gomes*
Em Portugal residem cerca de 10 milhões de portugueses. Fora de Portugal, apenas cinco milhões. Ou seja, metade dos portugueses vive fora de Portugal.
Quanto valem estes portugueses que estão fora de “casa”? Vamos às contas.
Em termos financeiros, são três biliões de euros de remessas em 2020. O equivalente a meio BES. Para lá disso, são cinco milhões de consumidores de produtos portugueses a fomentar um consumo de biliões de euros que promovem milhares de empregos em Portugal. Se os cinco milhões de portugueses a residir fora de Portugal decidirem um dia não consumir produtos portugueses seria um terramoto na economia e no emprego em Portugal. Não importa se falamos de vinho, bacalhau, outros produtos alimentares ou outros para não falar dos investimentos empresariais.
A isto podemos acrescentar o valor de EMI que os portugueses a residir no estrangeiro pagam de imposto municipal pelas propriedades que possuem em Portugal e, depois, acrescentar o valor gasto nas visitas a Portugal. Tudo somado, uma pipa de dinheiro.
Agora, vejamos o reverso da medalha.
A primeira carta que qualquer pessoa de Portugal recebe ao fazer o seu registo no Consulado do país de acolhimento é do Ministério das Finanças. Posto isto, seria suposto que o Estado sabe onde estamos, todos os ministérios o saberão. Puro engano.
Até há bem pouco tempo, qualquer pessoas que fosse fazer o registo no consulado da residência teria que pedir para fazer o recenseamento. Não o fazendo, ficava registado no consulado mas podia continuar a votar a partir de Portugal, que não do país de acolhimento.
Através do trabalho desenvolvido pela Associação Também Somos Portugueses (na época era um movimento), foi possível fazer com que o recenseamento fosse automático e, desta forma, os cerca de 300 mil recenseados à volta do Mundo passaram a ser cerca milhão e meio. Ficamos então todos recenseados.
O que acontece a seguir?
Quando vamos renovar o Cartão de Cidadão (CC), o recenseamento aotumático cai e deixamos de estar recenseados. É automático mas não tanto assim, ou seja, dão com uma mão e tiram com as duas para depois virem em campanha dizer que o voto é importante ao mesmo tempo que criam todo o tipo de barreiras.
Para as eleições presidenciais, as cartas para votar foram enviadas em Língua Francesa e assim, muitos votos foram desperdiçados porque os serviços de correio de diversos países não comunicam em francês.
Já para as eleições legislativas de 30 de Janeiro de 2022, Lisboa decidiu enviar o voto postal e emitiu milhão e meio de cartas. Por absurdo, quem quiser votar presencialmente teria que se ter inscrito antes Risível que o voto presencial precise de inscrição de uma pessoa recenseada. Vá lá o diabo entender.
Desta forma, é de esperar um crescimento no volume de eleitores votantes mas mesmo assim longe do possível pela simples razão que Lisboa não ajuda.
De que terão medo os políticos em Portugal sobre os votos dos residentes no estrangeiro?
Para receber a carta, a morada teria que estar actualizada no consulado 60 dias antes das eleições e assim, todas as pessoas que mudaram de endereço em Dezembro ou Janeiro, ficaram também elas impedidas de votar.
Para quem vive no estrangeiro e passe pela internet, repetidamente, vê que a programação da RTP não está autorizada para o país de acolhimento. O serviço público de televisão que defende (ou deveria defender) a divulgação da Língua Portuguesa, tapa assim com uma rolha a possibilidade de se ouvir Português em milhares de casas ao redor do Mundo.
Voltando à questão do voto, só uma possibilidade assegura que os portugueses residentes no estrangeiro possam votar sem constrangimento de distância ou deficiências de comunicação entre os serviços de correio dos diversos países e essa é o voto pela internet através do voto digital.
Mas Lisboa tem medo de uma ideia que considera perigosa e que pode mexer nos interesses de alguns instalados na política nacional. Não se entende porquê.
Diz a Lei portuguesa que se forem votar todos os portugueses que residem no estrangeiro ou apenas poucos milhares deles, o resultado é o mesmo. Dois deputados pelo Círculo Eleitoral da Europa e dois deputados pelo Círculo Eleitoral do resto do Mundo que inclui África, Américas, Ásia e Oceania.
Assim, se 1.5 milhões de portugueses forem votar, independentemente dos partidos vencedores, têm direito a quatro deputados. Se apenas votarem 100 mil o resultado será o mesmo o que leva muitos migrantes portugueses a questionar a importância do seu voto.
Assim, os portugueses residentes no estrangeiro recenseados (1.5 milhões) forem todos votar, elejem 4 deputados. Vejamos o que acontece em Portugal. Vejamos.
Lisboa com 1.9 milhões de eleitores, apenas mais 400 mil do que a emigração, elege 48 deputados. Assim:
Lisboa tem um deputado para cada 39.500 recenseados. Os portugueses a residir no estrangeiro, têm um depuado por cada 375.000 eleitores. 10 vezes menos.
Concluímos assim que são necessários 10 portugueses a residir no estrangeiro para ter o mesmo valor eleitoral de um único eleitor em território nacional. Concluí-se que um português a residir no estrangeiro, vale 10 vezes menos que um português a residir em Portugal. Não se entende.
Temos portanto que além de dificultarem o voto aos portugueses a residir no estrangeiro, temos depois 10 vezes capacidade de voto. Mas não ficamos por aqui.
Tendencialmente, acontece que o Governo toma posse antes de estarem contados os votos pelo círculo da emigração o que se pode considerar absolutamente insultuoso.
Até podermos votar de forma digital, contiuaremos a ser importantes sim mas apenas para efeitos de remessas e do consumo que fomenta a exportação.
Nós gostamos de Portugal mas Portugal parece não gostar dos portugueses a viver fora do torrão.
* Manuel Gomes é jornalista e escritor português a residir em Londres.
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