Mitos e verdades sobre a profissão de motoboy em Londres
Não há números oficiais capazes de dimensionar o tamanho do mercado de couriers (motoboys) em Londres, mas é visível nas ruas que esta é uma profissão em plena expansão na capital britânica.
App Drivers and Couriers Union, uma representação laboral da categoria, tem uma leitura pessimista sobre o que está acontecendo com o mercado dos entregadores: “Nosso setor está mudando rapidamente. Nossos reguladores não fazem nada para nos proteger e parecem ter a intenção de discriminar e tornar as condições de operação mais difíceis do que nunca. O custo humano é grande, com muitas famílias sob grande pressão; pais ausentes trabalhando 90 horas por semana e níveis de endividamento aumentando”, diz comunicado da associação sindical.
Entre os entregadores que se transportam em moto, os brasileiros são maioria. “Mas, principalmente depois da pandemia, aumentou o número de indianos, poloneses e ingleses também”, conta Wellington Ros, 40 anos, há pelo menos vinte anos desafiando o trânsito londrino sobre duas rodas.
“Eu já vivi os dois lados da vida de motoboy em Londres. Já estive ilegal, vivenciando uma loteria todos os dias, saindo de manhã sem saber se voltaria para casa, e depois a vida de documentado, nem seguro da moto deixo faltar e assim é muito mais tranquilo”, diz o paranaense.
Quando diz que viveu os dois lados, Zureia, como é conhecido na comunidade, não exagera. Ele chegou a ser preso e deportado antes de tirar a documentação italiana.
Zureia (no Instagram @zureiauk) aceitou falar abertamente com o jornal Notícias em Português sobre os mitos e as verdades que cercam sua profissão. Da forma de remuneração aos perigos das ruas, leia a seguir a experiência de um motoboy em Londres.
MITOS E VERDADES
Os brasileiros são maioria entre os motoboys de Londres. VERDADE
Os brasileiros são maioria, embora esse favoritismo venha sendo ameaçado pela concorrência. A pandemia trouxe para o mercado de delivery por aplicativo, principal atividade dos motoboys em Londres, indianos, poloneses e ingleses.
Há quem diga que os brasileiros acostumados ao trânsito caótico das capitais do Brasil tiram de letra os desafios das ruas londrinas. “Mas acho que um brasileiro indica o outro, todos se ajudam e por isso vira uma comunidade”, diz Zureia.
É fácil trabalhar como motoboy em Londres estando indocumentado. MITO
Os couriers são considerados profissionais autônomos, o que pode significar mais facilidade aos que não têm autorização para trabalhar em UK, mas o risco de ser pego é muito grande. “Estamos expostos o tempo todo, a polícia pode nos parar a qualquer hora, em qualquer lugar”, diz Zureia ao relembrar sua experiência pessoal.
Wellington já podia ter a documentação italiana, em 2007, mas continuava com um visto vencido de turista brasileiro quando foi parado pela polícia na região de Chelsea. Foi dali direto para uma prisão e, depois, para o aeroporto. “Passei uma semana preso antes de ser deportado para São Paulo”, conta.
“Fui bem tratado, a prisão era como um alojamento. No Brasil fiquei seis meses para fazer a correção do meu sobrenome e dar entrada na documentação na Itália. Eu já posso tirar a minha cidadania britânica, mas por enquanto tenho apenas a brasileira e a italiana.”
O melhor da profissão é a chance de fazer dinheiro com um emprego flexível. VERDADE
Esta é uma verdade. “O melhor desse trabalho é fazer meu horário e dar meu ritmo ao dia”, explica Zureia, que costuma trabalhar das 8h às 21h, mas com intervalos de descanso durante o dia e folgas aos domingos. “Só se minha mulher vai trabalhar no domingo, aí não vejo sentido ficar em casa sozinho, então trabalho também.”
Erro comum de quem está começando é fazer longas e exaustivas jornadas. “Conheço gente jovem que vai das 7h às 23h sem parar. Eu já não aguento, nem recomendo.”
Dirigir motocicleta na Inglaterra é mais seguro. MITO
Com apps e mapas ao alcance do celular, o motoboy precisa mesmo é saber pilotar a moto e ter pique para enfrentar o trânsito. Mas não se engane, o motorista inglês nem sempre respeita o motoqueiro. “É uma profissão perigosa por natureza, então é preciso atenção redobrada para não a tornar ainda pior.”
Quando Zureia começou, há 19 anos, a pesquisa pelos endereços precisava ser feita em mapas de papel. “Agora imagine parar a moto para abrir um mapa, com chuva”, conta. “No primeiro dia como motoboy, demorei duas horas para fazer uma entrega.”
Também importante lembrar que o tempo não ajuda. Com muitos dias chuvosos, vento e frio em algumas épocas do ano, dirigir uma moto em Londres exige cuidado extra.
Dá mesmo para fazer algum dinheiro como motoboy. VERDADE
O mercado de delivery está bem aquecido e trabalho realmente não falta. Cada empresa tem sua política de remuneração, mas em média paga-se £3.15 por entrega. Esse é o valor mínimo, mas dependendo da procura, a taxa pode ser acrescida em + £1.01, £1.02 e mais. “Em um sábado de muita chuva, a empresa estava oferecendo £3.15 + £1.07 por entrega”, conta.
Só não esqueça os custos que a profissão exige. Por exemplo, há quem alugue a moto por dia ou pague o financiamento. É preciso ter a carteira de condução britânica e seguro.
Não roubam motos em Londres. MITO Roubos de moto acontecem em número maior do que você imagina. “Roubam moto demais em Londres, não pode ficar sem seguro. Posso dizer que, nos últimos dez anos, os roubos aumentaram e o preço dos seguros também”, diz Zureia, que paga cerca de £150 por mês pelo seguro da sua moto.
Um casal com história
Zureia é casado com Fernanda Souza, que ficou entre as melhores babás da Inglaterra no concurso UK Nanny of the Year 2021. A história dela, você pode ler aqui.