Agora Inês é morta. No entanto foi rainha e viverá para sempre no imaginário popular
D. Inês de Castro, fidalga galega descendente de família real por via bastarda, veio para Portugal no séquito da D. Constança, noiva de Infante D. Pedro, filho do Rei D. Afonso IV.
Muito rapidamente se apaixonaram e começaram uma relação sentimental que desagradou a D. Constança que, numa tentativa de lhe criar dificuldades, convidou D. Inês de Castro para madrinha de um filho o que na época tornava incestuosa a relação com o pai da criança. Quando D. Constança faleceu (deixando apenas um filho, o futuro Rei D. Fernando), Pedro e Inês assumiram a sua relação, e vieram viver para o Palácio anexo ao Convento de Santa Clara, situado junto ao Rio Mondego e à Quinta das Lágrimas, que fora construído pela Rainha D. Isabel, Avó de D. Pedro, que viria a ser canonizada com o nome de Rainha Santa, o que não deixaria de causar algum escândalo na cidade.
Durante os anos que viveram em Coimbra, frequentaram os jardins e a mata contígua à Fonte dos Amores. Realmente em 1326 a Rainha Santa tinha comprado aos Frades de Santa Cruz o direito à água que jorrava de duas nascentes ali situadas, para abastecer o Convento de Santa Clara que reconstruíra, comprando também uma faixa de terreno que lhe ficava contíguo, para “ir, vir e estar”, pois o local era muito aprazível.
D. Inês de Castro tinha irmãos, os poderosos Castro, fidalgos que começaram a conspirar para convencer D. Pedro a considerar-se com direitos ao trono de Castela e Leão, o que permitiria que um dia um sobrinho deles (filho de Pedro e Inês) viesse a governar esse poderoso reino ibérico.
D. Afonso IV – sensível à fragilidade da independência portuguesa – reagiu contra tais ideias e os seus conselheiros facilmente o convenceram de que a única forma de evitar uma aventura castelhana seria afastar o Príncipe herdeiro de D. Inês. Perante a recusa deste em aceitar esse afastamento, e aproveitando uma ausência do Príncipe, foi feito um sumário julgamento em Montemor-o-Velho, que a condenou à morte. D. Inês de Castro morreu em 7 de Janeiro de 1355, degolada, como convinha a pessoa da sua condição.
D. Pedro reagiu com violência à execução da sua amada e mãe de 3 dos seus filhos e iniciou um período de guerra civil contra o Rei, que só terminou devido à intervenção mediadora da Rainha de Portugal, sua Mãe. Quando subiu ao trono pela morte do Pai, em 1357, anunciou que tinha casado secretamente com D. Inês, que assim passava a ser Rainha de Portugal; mandou então construir em Alcobaça túmulos para si e para ela, conduzindo os seus restos mortais do Convento de Santa Clara de Coimbra àquele Mosteiro, exigindo que todas as classes (clero, nobreza e povo) lhe prestassem homenagem. A transladação fez-se num cortejo fúnebre que ficaria na memória das populações.
Para além disso, conseguiu que o Rei de Castela lhe entregasse dois dos três fidalgos que tinham aconselhado D. Afonso IV e arrancou pessoalmente o coração a ambos, abrindo o peito a um e as costas ao outro ainda em vida, dizendo que homens que haviam matado uma mulher inocente não podiam ter coração.
A partir desta base histórica, desde muito cedo se iria desenvolver, na imaginação popular e depois recolhida por artistas, poetas ou romancistas, uma belíssima e trágica lenda que os factos justificavam.
A base histórica dos “amores de Inês que ali passaram” (como escreveu Luís de Camões no Os Lusíadas) e a presença de raras algas vermelhas na hoje denominada Fonte das Lágrimas, cedo levou as populações a localizar nesse sítio a morte da “linda Inês”, a “mísera e mesquinha que, ainda no dizer de Camões, depois de morta foi rainha”.
Desde então a Quinta das Lágrimas – lugar histórico dos amores e lugar mítico da morte – tornou-se um lugar de peregrinação para todos os que ao longo dos séculos querem homenagear aqueles trágicos amores. A lenda passou a ter um lugar de culto e um local onde ainda hoje se pode sentir o romance.
Outro elemento muito relevante para a perpetuação do mito foi sem dúvida a coroação depois de morta em cerimónia solene no Mosteiro de Santa Clara, perante a corte. A base histórica de novo existia, a partir do momento em que o Rei D. Pedro exigira que todos considerassem D. Inês como Rainha de Portugal.
A imaginação cedo tornou tal homenagem simbólica numa cerimónia formal em que as três ordens do Estado (clero, nobreza e povo) beijaram a mão à “Rainha Morta” cujo cadáver desenterrado e sentado num trono foi desde sempre assumido como sinal definitivo de uma paixão sem limites.