Juventude em Cuba dos anos 1980 é tema do livro de Pedro Nguvulo

O angolano Pedro Luis Nguvulo acaba de lançar em Londres “Isla de la Juventud – Memórias de um bolseiro em Cuba”. O livro, publicado pela Editora Gato Bravo, de Lisboa, relata a experiência de seis anos de vivência em Cuba, como bolseiro, entre o período 1984 a 1990. Pedro chegou na Ilha da Juventude com apenas 16 anos.

O autor relata a vida na ESBEC, sigla em espanhol para Escuelas Secundárias Básicas en el Campo, onde alunos estrangeiros combinavam trabalho e estudo.

O livro está à venda no site www.wook.pt por €14.40. A seguir, o autor conta maus sobre o conteúdo.

Pedro Nguvulo

Notícias em Português – Os estudantes angolanos recebiam uma bolsa do governo cubano?

Pedro Nguvulo – A bolsa de estudo, tanto quanto eu saiba, era uma oferta do governo angolano, após a independência do país em 1975, para colmatar a carência de quadros no país. Somente em Cuba é que os angolanos podiam frequentar o ensino secundário, pré-universitário e por aí adiante. Assim como outros jovens e até mesmo adolescentes de outros países como Moçambique, Cabo-Verde, Guiné Bissau, Etiópia, Gana e Nicarágua (estou a citar alguns em um universo de mais de 40 nacionalidades).

Obviamente, a bolsa de estudo era um convénio entre o governo angolano e cubano. No meu livro tem uma referência sobre a oferta que o então líder cubano Fidel Castro tinha feito ao primeiro presidente angolano, Dr. António Agostino Neto, para os angolanos estudarem em Cuba.

Como foi o surgimento das ESBEC na Ilha da Juventude?

Foi durante a visíta do Segundo Secretário do Comité Central do Partido e Minístro da Defesa de Cuba Raúl Castro à então República Popular de Angola em junho de 1977. Durante esta visíta, Raul Castro transmitiu a mensagem de Fidel Castro ao então presidente de Angola Dr. António Agostinho Neto, sobre a oferta de quatro escolas em Cuba, com capacidade para 600 estudantes cada e onde poderiam frequentar o ensino primário, secundário e a possibilidade de continuarem o ensino técnico e profissional.

Apercebendo–se desta oferta de Cuba à Angola, o então presidente de Moçambique Samora Machel solicitou a possibilidade de enviar também os estudantes moçambicanos para Cuba, na qualidade de bolseiros. A partir daí, foi tomada a decisão de mudar o nome da Ilha de Pinos para Ilha da Juventude.

Os primeiros estudantes angolanos chegaram à Ilha da Juventude no dia 17 de dezembro de 1977. Existiam cerca de 40 escolas deste tipo, construídas especificamente para os estudantes de países do terceiro mundo, especialmente de África e América Latina.

As ESBEC foram constituídas a partir de um conceito de Marti que dizia que uma criança deve… “manusear o caderno de manhã e a enxada à tarde”, destacando o valor do trabalho na formação do ser humano. 

Pedro foi bolseiro entre 1984 e 1990

Os jovens angolanos conseguiam interação com os cubanos?

Mais do que mera interação. Quando se terminava o ensino secundário e pré-universitário, os estudantes angolanos frequentavam os mesmos institutos e universidades com os alunos cubanos e de outras nacionalidades. E, independentemente disto, os relacionamentos amorosos entre angolanos e cubanas e até com nicaraguenses eram na verdade a regra geral. Destes relacionamentos nasceram muitos bebés e muitas cubanas ficaram em Cuba com os filhos, cujos pais nunca mais regressaram. No meu livro, existe uma história de amor entre Jack (angolano) e Odalys uma jovem cubana, simbolizando obviamente estes relacionamentos.

Como o aspecto político de Cuba dos anos 1980 e 1990 influenciou sua vida naquele país?

Até hoje carrego comigo aquela experiência da vida estudantil em Cuba. O maior legado para mim, e para muitos dos “Caimaneros”, como vulgarmente são chamados os que estudaram em Cuba, é o espírito de camaradagem, a disciplina social e o fortalecimento como homens e mulheres aptos para os desafios da vida. Por causa do embargo económico dos EUA contra Cuba, os cubanos desenvolveram aquela característica de “nunca” se render ou se desmoronar perante quaisquer obstáculos da vida. E estes factores sócio-políticos dos anos 1980 e 1990 influenciaram irremediavelmente. Em cada momento difícil, sempre me socorro daquele legado de Cuba: “Hay que seguir adelante; nascimos para vencer y no para ser vencidos”.

Os bolseiros que regressavam de Cuba para os seus países de origem eram bastante críticos em relação à realidade sociopolítica dos seus países. No meu caso, a minha visão sociopolítica, económica e até factores como a tolerância à diversidade racial são frutos desta mesma experiência de ter vivido e estudado em Cuba. Não te esqueças que Cuba é uma sociedade multirracial e com índices de racismo muito baixos em relação a muitos outros países latino-americanos. Obviamente, não somente de pão vive o homem, por isso mesmo é que apesar de muitas conquistas na área da saúde e educação, sempre achei que havia limites e é preciso reformas, sobretudo no âmbito económico e liberdades humanas.

Como foi a experiência de ser jovem em um estado socialista?

Ao contrário do que muita gente pensava, os alunos não foram doutrinados com dogmas partidários e lavagem cerebral. O ensino em Cuba era integral. Ser jovem e quase adolescente em Cuba em meados dos anos 1980s foi uma experiência muito bonita e cheia de romanticismo. Imagina viver na Cuba socialista de Fidel Castro; no auge do internacionalismo cubano pelo mundo. Os relacionamentos com os jovens de outros países e diferentes culturas; os relacionamentos amorosos com as belas meninas cubanas. As férias pelas distintas regiões de Cuba, as praias, campismo, o encontro com os turistas ocidentais nos hotéis de Havana; os carnavais em Cuba, assim como o festival de la toronja na Ilha da Juventude.

Claro que nem tudo foi um mar de rosas. Havia carências, sobretudo de bens materiais, a dieta alimentar era deficiente nas escolas. E em tudo que era pizzaria, restaurante, cafeteria ou parada de ônibus havia sempre filas.

Voltaria a morar em Cuba?

Já voltei para Cuba de férias em 2003, e encontrei uma Cuba totalmente diferente daquela que eu tinha vivido. É uma ilha bonita, com belas mulheres e os cubanos estão entre os povos mais simpáticos do mundo. Mas sempre achei que não poderia morar de forma permanente em Cuba. Sempre considerei Cuba como meu segundo país e Londres, minha residência.

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