O velho do vírus

Por Manuel Gomes*

Já maduro na idade depois de ter passado de forma segura o tempo do meio século, apareceu uma pandemia. Começaram os estudos e as estatísticas que davam às pessoas mais velhas como mais vulneráveis ao contágio do vírus.

Era também a corrida ao papel higiénico que um ano e meio depois ainda ninguém consegue explicar.

Nas idas ao supermercado, as pessoas olhavam para a cor branca da minha barba e cabelo, detalhe suficiente para se afastarem de mim. Passei a ser evitado na rua como se eu fosse a espingarda da Covid pronta a disparar contra qualquer pessoa que estivesse a menos de cinco metros de um espirro meu.

A atitude de muitas pessoas fazia-me pensar que olhavam para mim já cadáver. Uma espécie de olhar de piedade como quem olha para alguém que pelo peso da idade já estava condenado a morrer vítima das próprias munições.

Em alguns casos, diverti-me, noutros, irritei-me.

Ri-me quando vi a mal disfarçada ansiedade das pessoas que me viam e evitavam estar no mesmo espaço. Por vezes no mesmo passeio. Por vezes, até nas visitas ao parque. Restavam-me os animais que sempre me aceitaram sem pensarem em ser ou não infectados.

Num supermercado, houve mesmo alguém que me pediu para não partilhar comigo o corredor do supermercado. Irritei-me claro está. “Se quer um supermercado só para si você pode comprar um. (You want a Morrison’s only for you? You can buy one” – Depois virei as costas para pagar as compras. Chegado na rua, um grupo de sem abrigo estava em cavaqueira, em grupo e sem qualquer precaução. Sem papel higiénico também.

Decorrido o tempo, ficam estas memórias dos primeiros dias de pandemia. Muitas delas, eu entendo.

Só não entendo as pessoas que esgotaram o papel higiénico.

* Manuel Gomes é jornalista e escritor português a viver em Londres.

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